quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

MENSAGEM

Prezados,

Informo que o História de Mestre fará uma pausa de 20/02  a 06/03/2014, a fim de gozar de merecidas férias. Ô,,, também precisamos de um pouco de ócio para oxigenar as idéias. Na medida do possível responderei as questões que porventura ocorram.
Aproveito para convidar a todos que fazem parte desta proposta para acompanhar o "Projeto Viajando com História de Mestre". Postarei através do FACEBOOK/historiademeste as imagens e impressões da viagem ao Peru, região onde desenvolveu-se uma das mais fascinantes culturas da humanidade: A Civilização Inca.
Peço-lhes que contribuam de alguma forma, através da participação, curtidas, sugestões e críticas para a continuidade deste novo projeto. Conto com vocês !!

"ABENÇOE A TODOS QUE NOS DESAFIAM, POIS NOS LEMBRAM AS PORTAS QUE FECHAMOS E DAS PORTAS QUE AINDA TEMOS QUE ABRIR" (Provérbio Navajo)

Sucesso na vida!

Fernando

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O Rolezinho


Como sugestão de leitura sobre um tema atual, indico o texto de Leandro Beguoci: "O Rolezinho e a desumanização dos pobres", cuja a versão original e estendida está no site www.oene.com.br.  Eis alguns recortes do artigo publicado em 14 de janeiro de 2014.

A mensagem é clara: o consumo vem antes de qualquer bandeira / Crédito: Flickr/Funk Ostentação SP


O rolezinho, a reunião de jovens e adolescentes em shoppings que nasceu na periferia de São Paulo e já se espalhou por outras partes do país, virou o assunto do verão deste 2014 de eleições e Copa. Um arrastão de palavras de ordem, à direita e à esquerda, tomou o debate e colonizou as discussões com conceitos confusos, fora de lugar. De repente, festas de funk ostentação viraram manifestações de marxistas culturais contra a civilização ocidental e as reações a elas, vindas de gente tão pobre quanto os jovens, uma prova irrefutável do apartheid brasileiro.
De fato, as reuniões de lazer e a reação a elas foram contaminadas pelo debate político que acontece nas áreas de classe média e classe média alta. Elas foram simplificadas, estereotipadas. O debate se reduz aos exageros, criando adversários irreais e estereotipados: ou as pessoas são elitistas ou comunistas. Mas o mundo real, bem, esse é bem mais complicado. E, no meio desse debate maluco, os sujeitos do rolezinho foram desumanizados e se tornaram categorias para defender posições no debate histérico que vem se desenhando para este ano.
Ninguém ouve ou sabe o que esses jovens pensam, mas praticamente todo mundo no Facebook, no Twitter, em algumas colunas nos jornais e nas revistas sabe o que eles deveriam pensar. Ninguém sabe qual a intenção que eles têm com esses eventos, mas, do lado de cá do rio, todo mundo já tomou as decisões por eles. Pouca gente do centro expandido já visitou o shopping Itaquera ou Campo Limpo, mas não faltam pessoas que já decidiram que ou eles são nobres centros contra a barbárie periférica ou símbolos poderosos da segregação à brasileira.
A reação das pessoas que frequentam os shoppings das periferias aos rolezinhos não passa nem pela tese de luta de classe, como algumas pessoas à esquerda vem dizendo, nem pela resistência à concretização dos projetos malévolos dos marxistas culturais para dominar o mundo, como algumas pessoas mais à direita vem enfatizando – e vou lhes poupar dos links porque, afinal, o papel do Oene também é dizer o que você não precisa ler. Os argumentos principais das pessoas mais à esquerda é que os rolezinhos são uma manifestação política com o objetivo de ocupar os espaços que são negados aos pobres pela sociedade de consumo. O problema é que não há nenhuma bandeira ou sinal nesse sentido, como nota Vinicius Torres Freire em um bom texto na Folha de S.Paulo
Os rolezinhos não vêm com faixas ou bandeiras. Não há crítica ao consumo, mas elogio às marcas. Essas pessoas já frequentam os shoppings da periferia, onde os rolezinhos acontecem, em grupos pequenos. É difícil ver reivindicação de espaço em um espaço que elas já frequentam. E isso também complica os argumentos da baderna, à direita. Não há crítica ao sistema. Apenas a vontade expressa em roupas de marcas em participar ativamente dele. Os motivos, como mostram uma convocação do rolezinho, são bem mais singelos. 
O rolezinho não é uma questão simples, mas acho que podemos descartar facilmente as teses extremadas da esquerda e da direita porque elas não encontram nenhum respaldo da realidade. É difícil ver protesto político na vontade de usar um Mizunão de mil num espaço da periferia da cidade que já é frequentado, individualmente, por essas pessoas. E é ainda mais difícil ver marxismo cultural no funk ostentação. É muito difícil taxar de elitismo uma ação de pessoas da periferia contra pessoas da periferia. Como, afinal, acusar um morador de Itaquera de elitismo contra o filho do seu vizinho, também morador de Itaquera?

Existem algumas chaves para tentar entender este processo.  A primeira chave é etária. Jovens, sejam eles de onde forem, vão sempre desafiar os pais, os adultos, quem quer que seja. Faça um exame de consciência e pense no que você, do alto dos seus 16 anos, aprontava por ai. Ou, como diz a página de outro evento do rolezinho.

Outra chave de compreensão é a cadeia de preconceito e diferenciação – uma variante da segunda chave. Os vendedores desses shoppings da periferia, tão pobres (ou não suficientemente ricos) quantos os seus clientes que vão comprar os tênis caros com dinheiro vivo, torcem o nariz para aquelas pessoas que são tão próximas – mas de quem elas gostariam de manter distância. Algumas pesquisas mostram que pessoas que moram no limite de uma favela, mas não no seu coração, querem manter toda a distância possível das pessoas que moram nas áreas mais pobres daquela comunidade. Um emprego, uma roupa, tudo é uma marca de progresso, de ascensão, em áreas todas niveladas pela miséria, pelo esgoto a céu aberto, pela falta de educação. Até a música pode virar uma ferramenta. 

Quando tudo isso chega ao lado de cá da ponte, é filtrado pelas lentes do debate político histérico que tomou conta do país. Tudo parece virar apartheid ou comunismo, direito à livre circulação ou defesa da propriedade privada. Todo mundo tem certezas com base em quase nada. Os blogueiros de direita denunciam a conspiração dos funkeiros contra a civilização ocidental. Os blogueiros de esquerda veem apartheid das elites nos shoppings da periferia. Vira um festival livre de loucura, um campeonato nacional de associação livre, em que cada lado atribui um valor a esse encontro de lazer de acordo com a conjuntura política. O fenômeno deixa de ser analisado em si, e passa a ser analisado para servir de arma numa briga muito maior. Esses jovens de Itaquera, do Campo Limpo, de Interlagos, são desumanizados e se tornam aríetes de uma luta da qual eles não têm a menor ideia que estão participando. E as decisões da Justiça, difíceis de entender, só mostram o tamanho do desconhecimento.
Não há razão para idolatrar ou demonizar os rolezinhos. Talvez haja furtos, talvez haja arrastões, e não há nada que a polícia possa fazer senão impedir que as pessoas pobres que frequentem esses shoppings sejam roubadas ou furtadas. Mas também não faz nenhum sentido impedir que essas pessoas entrem em shoppings pelo simples fato de usarem um boné de aba reta ou um tênis cheio de cores. Os rolezinhos são o que são. E merecem estudos, debates e reflexões melhores do que vem recebendo até agora.


Como diria o árbitro: a regra é clara/Crédito: Flickr/Funk Ostentação SP
Como diria o árbitro: a regra é clara/Crédito: Flickr/Funk Ostentação SP