A ocupação do território da “cabeça do Brasil”.
Quando
foi nomeado governador geral,Tomé de Sousa que, de acordo com o regimento de
Almerim, documento que representa a certidão de nascimento de Salvador, continha instruções precisas para edificar uma fortaleza e
povoação grande e forte num lugar conveniente, a intenção do rei de Portugal era dotar as novas terras de uma
presença mais efetiva de representantes da coroa portuguesa. Portanto quando
Tomé de Sousa desembarcou na região da Barra, atualmente nas imediações entre o
Forte de São Diogo e o Iate Clube, já encontrou ali um núcleo de habitantes,
uma pequena vila chamada de Vila Velha ou Vila do Pereira, assim chamada em
virtude do nome do antigo donatário da capitania da Bahia Francisco Pereira
Coutinho.
As origens da Vila.
O Francisco
Pereira era conhecido pela alcunha de “rusticão”, devido a sua rudeza no
tratamento principalmente com os “gentios da terra”, ou seja, os índios. Quando
aqui chegou em 1536 trouxe consigo parentes, amigos e colonos e “construiu
casas para 100 moradores” e sua moradia estima-se que estava localizada no
outeiro (alto) nas imediações da Igreja
da Vitória com vista de frente a enseada do Iate Clube. Aqui já habitava um
velho morador da Bahia de Todos os Santos, Diogo Álvares, o Caramuru. Pouco se
conhece sobre Diogo Álvares, contudo estudos indicam que entre 1510 e 1511
chegou a Bahia em virtude de um naufrágio. Caramuru foi importante peça nas
negociações da tensa convivência entre portugueses e índios, tanto que obteve o
lote de terra (sesmaria) que ia da região do atual bairro da Graça até o bairro
do Rio Vermelho. Casou-se com Paraguaçu, a filha do cacique, que mais tarde foi
batizada na França com o nome de Catharina Paraguaçu. Converteu-se ao
catolicismo e ergueu uma pequena ermida que mais tarde transformou-se na Igreja
da Graça (no bairro da Graça) , local onde esta sepultada. Apesar da interferência
de Caramuru para apaziguar os ânimos entre colonos e índios um fato vai mudar
drasticamente a vida da capitania da Bahia. Em 1545 algumas tribos dos índios
da Bahia de Todos os Santos atacaram a vila do Pereira e ao mesmo tempo os
colonos rebelam-se contra o donatário e desejavam prendê-lo. Mas ele retira-se
para a capitania de Pero de Tourinho em busca de ajuda, onde permaneceria até
em 1546 quando Caramuru foi buscá-lo trazendo a notícia de que os franceses
haviam incendiado a vila do Pereira e confiscaram a artilharia de defesa.
Pereira Coutinho resolveu regressar, mas quando estava nas imediações da Ilha
de Itaparica sua embarcação afundou nos recifes e os Tupinambás de Itaparica
que eram antropófagos o prendem e o devoram em seguida. Com a morte do
donatário o rei D. João III prefere reverter a capitania para a Coroa e foi
esta circunstância que fez da Bahia a primeira capitania da Coroa e propiciou a
condição de sede do governo-geral do Brasil criado em 1548.
Gravura indicando os limites da Vila do Pereira, local onde situava-se a moradia no donatário Francisco Pereira Coutinho, o rusticão. Atualmente corresponde a área do Farol da Barra ao Forte de São Diogo.
A chegada de Tomé de Souza.
Espaço metropolitano que deveria dar "favor
e ajuda às outras povoações e se ministrar justiça e prover nas coisas que
competirem a meu serviço e aos negócios de minha fazenda e a bem das partes".
Sem perder tempo, partiram em busca do
local adequado para construção da sede administrativa. Tomando o caminho em
direção ao atual corredor da Vitória, e margeando o litoral chegaram ao local
que se achou mais adequado para iniciar a fortificação, nenhum ponto é mais
apropriado para o assentamento da cidade, que o trecho no alto promontório
entre as gargantas da Barroquinha e do Taboão,acidentes topográficos
propícios para construção de obras de defesa, compreendido entre a atual
Praça Castro Alves e a Misericórdia. Erguida no alto de uma escarpa, entre a
Baía de Todos os Santos e os morros, Salvador foi a primeira cidade planejada
do Brasil. O mestre das obras Luiz Dias foi o “arquiteto” que traçou as linhas
limítrofes e o plano urbano primitivo (obedecendo as “traças e amostras”
recebidas em Lisboa) do “arruamento” daquela que foi denominada cidade do
Salvador. Os colonizadores tomaram o cuidado de construí-la nos moldes das
cidades de sua terra natal e mantiveram nela a aparência medieval de Lisboa, com
ruas estreitas, curvas e dispostas perpendicularmente umas às outras. Outra
herança lisboeta são seus fortes, que fazem de Salvador uma típica
cidade-fortaleza. Abrigando cerca de 1000 habitantes em 1549, a primeira
capital do Brasil cresceu em dois planos, a cidade alta e a cidade baixa. O
movimentado porto e um pequeno comércio local ocupavam a estreita e extensa
faixa litorânea (era o que mais tarde denominou-se bairro da Praia, atual
Bairro do Comércio) ligada à cidade alta por ladeiras e barrancos (em 1920 foi
construído o Elevador Lacerda). Os edifícios oficiais (a casa do
governador-geral e a sede do governo foram os primeiros a serem erguidos) e as
residências localizavam-se no alto da escarpa, a parte nobre da cidade. Mas foi
na cidade baixa, nas imediações onde hoje situa-se o elevador Lacerda e a
Igreja da Conceição da Praia, que era conhecida como Ribeira do Goes ou das
Naus, que foram construídos os depósitos e barracões para o armazenamento
do material de construção utilizado para
erguer a cidade. Neste mesmo local, na praia, que foi erguida a primeira
ermida, consagrada a Nossa Senhora da Conceição, padroeira do governador.
Núcleo
urbano primitivo da cidade do Salvador - 1551
As ligações entre as partes alta e baixa da cidade, fundamentais para os
trabalhos de construção e, de comunicação de pessoas e coisas, foram, no
princípio duas, a saber: Primeira- o
caminho que veio a ser conhecido como Ladeira da Conceição, que tinha inicio no
alto, na praça do Palácio, atualmente Praça Municipal, estando a construção
terminada no final de 1549. No entanto este caminho por ser considerado de alta
declividade mostrou-se inconveniente para o transporte do material de
construção, motivo pelo qual levou a imediata construção do Segundo, que partindo da Porta de Santa
Luzia – atual praça Castro Alves – seguia pelas imediações das Ladeira da
Gameleira e da Preguiça e terminava na Ribeira dos Pescadores – defronte as
Fonte da Pedreiras, atualmente nas imediações do Trapiche Adelaide.
Modificações
no território de Salvador. Uma cidade fortaleza ou a fortaleza que tornou-se
cidade?
Poucos registros restaram dos muros da
fortificação erguida por Luis Dias em 1549, tanto que em 1580 já não se
podia ver os muros da antiga fortificação. O projeto de defesa de Salvador
constituía em conjunto de muros e fossos, articulado por caminhos irregulares,
praça administrativa, espaço para igreja e dois alargamentos encerrados na
porta Sul - Porta de Santa Luzia – (era o fosso situado entre o atual Palácio
dos Esportes e a escada da Barroquinha) e na porta Norte ( Porta de Santa
Catarina), assim a cidade no primeiro período se apresenta como
espaço que abriga as edificações vinculadas às decisões máximas da província,
mas também como abrigo de atividades sociais, como articuladora entre
edifícios religiosos e lugar onde aconteciam atividades comerciais que exploram
os caminhos de conexão geral
(REIS,FILHO, 1968; UFBA, FAUFBA-CEAB, 1998, p.144-145). A cidade fortificada
protegia-se externamente de outras potências da Europa pelos fortes localizados
na entrada da Baía de Todos os Santos: Santo Antônio da Barra (1583) e Mont
Serrat (1583/87). Estas construções constituiriam uma nova paisagem no “sítio
natural” que, até então, somente sofria intervenções provenientes de tentativas
de domínio e explorações incipientes e externas, ou das culturas pré-existentes
(UFBA, FAUFBA-CEAB, 1998, p.66; OLIVEIRA, 2004, p.182 e 187). A arquitetura militar define a
paisagem de Salvador desde os seus fortes, suas portas de defesa, seus
baluartes, suas muralhas e quartéis, entre outros tipos. Posicionados
estrategicamente, os seus largos para treino, organização e manobra das tropas
e equipamentos de artilharia, em muito contribuíram para a definição do tecido
urbano, como se verá mais à frente.